O que está acontecendo com os anúncios dos jogos para celular?
Não é de hoje que nós, roteiristas, estamos envolvidos nos processos criativos relacionados à indústria de games. Aliás, pretendemos fazer posts a respeito das especificidades do roteiro para jogos eletrônicos, bem como sobre as demandas do mercado, muito em breve. Para além da definição de universos, criação de personagens e desenvolvimento da narrativa, os escritores tem se juntado às equipes de marketing na criação de histórias, que muitas vezes em nada tem a ver com o jogo, no intuito de atrair mais compradores.
Se você faz uso de redes sociais, é muito provável que já tenha se deparado com algum desses anúncios. Talvez você faça uso das funcionalidades básicas de um aplicativo pago que em contrapartida te faz assistir à um vídeo de trinta segundos antes de liberar seu acesso. De um jeito ou de outro, já não conseguimos fugir das propagandas de jogos para celular. No meu caso, comecei a nota-las quando a seguinte cena apareceu para mim: uma jovem mãe descobre o marido na cama com outra; revoltada ela pega seu bebê no colo e vai morar numa casa que está caindo aos pedaços – tudo isso, pasmem, em pleno inverno rigoroso. Mas o que isso tem a ver com o jogo? Bem, neste caso, trata-se de um jogo de reforma, então até que essa propaganda meio que fazia sentido. Aos poucos, os plots desses anúncios foram ficando cada vez mais melodramáticos, apresentando situações como a morte do bebê por conta do frio e outras situações extremas.
Sempre que alguma propaganda do gênero aparecia para mim, eu corria nos comentários para tentar entender o que estava acontecendo, mas as reações das outras pessoas eram sempre as mesmas e variavam de “por que raios isso está aparecendo pra mim?” até “que merda é essa?”. Comecei a perceber que a um numero impressionante de jogos de celular estava usando a tática de narrativa seriada em seus anúncios. Através de animações semelhantes à arte dos jogos, histórias de traições, assassinatos e outros mistérios começaram a ser usadas para nos convencer a baixar jogos de reforma de casas, caça ao tesouro e até mesmo de combinação de objetos. E quanto mais eu interagia com esses anúncios, mais eles apareciam para mim.
Intrigada com os plot twists insanos e o possível encadeamento da narrativa, procurei por alguns jogos no youtube e descobri vídeos com mais de meia hora que apresentavam o lore dos ads dos jogos. Quando se trata de games, lore se refere à história e ao encadeamento de eventos no universo de um jogo. O problema é que por se tratarem de produtos de jogabilidade simples, bastante orientada ao alcance de metas, não havia – antes da explosão desse tipo de anúncio – narrativas complexas que estruturassem esses games. O lore, neste caso, é um produto criativo dos anúncios, evidenciando o caráter de narrativa expandida que esses jogos tão simples podem ganhar através do marketing.
De todos os exemplos de mobilegames que tem utilizado esta estratégia – e são muitos, desde Lily’s Garden à June’s Journey – o que tem deixado a internet em polvorosa é o Merge Mansion. A premissa do jogo é básica: o jogador precisa fundir objetos iguais com o objetivo de criar novos objetos que uma vez acumulados são trocados por pequenas reformas em uma mansão velha. Não foge muito de outros jogos tão semelhantes. O destaque está justamente nos anúncios que, uma vez colocados em sequência, apresentam uma história de mistério que tem uma adorável (ou não tão adorável assim) vovó como a sua principal suspeita.
Nas primeiras propagandas o público é apresentado à Maddie, uma jovem vestida de noiva, que desde aos prantos de um táxi, no que parece ter sido um clássico caso de abandono no altar. Se isso já não fosse sofrimento suficiente, a personagem se depara com a sua casa completamente em chamas. Após viver duas desgraças seguidas, Maddie recorre à sua avó, que muito solicita lhe oferece um verdadeiro presente de grego. Aparentemente, sua família herdou uma grande mansão antiga que está precisando urgentemente de reforma. Maddie pode se mudar para o casarão, contato que reforme o imóvel. E é aqui que começa a mecânica do jogo: cabe ao jogador fundir objetos iguais para ajudar a personagem na reforma. É bem simples, mas a mágica do anúncio começa a partir do momento em que com a reforma em andamento, Vovó acaba sendo presa pela polícia. Daqui pra frente o espectador é confrontado com inúmeros flashbacks que indicam que a Vovó Ursula esconde inúmeros segredos, incluindo uma imensa coleção de facas e um possível envolvimento na dissolução do casamento de Maddie. São tantas reviravoltas que sugiro que você busque pelas compilações dos anúncios em ordem cronológica que existem no youtube.
Mas espere, tem mais. Há alguns meses o Merge Mansion começou a lançar live action ads ao invés das já tradicionais animações. E como eles amam um plot twist, após lançar duas propagandas onde a Vovó não tinha seu rosto revelado, eis que o estúdio finlandês Metacore Games lançou o trailer que colocou fogo na internet. Desta vez, a vovó sai das sombras e nos deparamos com KATHY BATES representando o papel. Sim, você não leu errado. Sim, aquela Kathy Bates, a dona de um Oscar, dois Emmys e dois Globos de Ouro. O público, é claro, não demorou a clamar pela produção de um longa. Se ele vai sair eu não sei, mas devo dizer que esse fantástico uso de storytelling na criação dos anúncios funciona, já que estou há três semanas jogando um game que não entrega nem 50% do entretenimento que a sua propaganda promete. Estou no nível 19 e até agora não consegui desvendar os mistérios de Vovó Ursula. E você, já se deixou fisgar por essas narrativas?