Como Trabalhar como Roteirista?

Sem dúvida nenhuma, uma das perguntas mais frequentes que eu recebo é "Como faço pra vender meu roteiro?" Essa talvez seja a coisa mais perguntada da área e é especialmente difícil porque a resposta não é exatamente o que a pessoa quer ouvir.
Eu acho que a pergunta correta deveria ser: "Como trabalhar como roteirista?" porque nesse caso existem várias formas possíveis.
A primeira coisa é entender a indústria e o mercado. Entender a indústria significa saber como filmes são feitos, a quantidade de trabalho e gente empregada para um resultado final de duas horas. Uma vez que você entende essa indústria e qual o seu lugar nela, chega a hora de olhar para o seu mercado.
No nosso caso, o mercado nacional, que não é uma indústria autossuficiente, mas é o que tem pra hoje. Entender o mercado onde você quer trabalhar é essencial, porque permite que você saiba quem é quem, quem faz o que, quem produz, quem distribui, quem cria... enfim. Uma vez que você entende o seu mercado, você percorreu 80% do caminho.
Portfólio
Diferente de outros artistas, escritores tem uma grande dificuldade de exibir seu portfólio. Música você põe pra tocar até no carro. Ilustração, basta olhar, mas roteiro é um livro de 100 páginas, que demanda no mínimo duas horas para ser lido com atenção total. É preciso entender isso para saber por que ninguém vai simplesmente te descobrir da noite para o dia. Seu portfólio é difícil de ser distribuído, por isso você precisa dar alguns passos a mais.
É aí que entram os festivais de roteiro. Cada prêmio, final ou até uma seleção oficial já mostra que seu roteiro passou por um filtro profissional. Olhem o exemplo do laboratório de roteiros do ROTA 2019: mais de 500 inscritos, 20 selecionados. É um tremendo filtro, não acha?
Existe muita gente despreparada que acha que anotar uma idéia é um roteiro. Essas pessoas enviam roteiros ou idéias para produtores, roteiristas e diretores o tempo todo e por isso, o seu projeto bem feito fica invisível em meio ao lixo. Um prêmio é a forma do mercado de separar o joio do trigo. Um roteiro premiado mostra ao produtor que você é um roteirista diferenciado, que está um nível acima dos amadores.
Quanto mais prêmios você tiver no seu portfólio, mais diferenciado você se torna. Os prêmios geram mídia e com um alcance razoável você consegue um destaque aqui e ali, principalmente dentro do mercado.
É preciso renovar seu portfólio todos os anos. Sim, um roteirista profissional é aquele que cria com frequência, sempre buscando se superar. A composição do seu portfólio varia de acordo com o que você gosta de escrever, mas para os que procuram oportunidades para criar independente do formato, eu sugiro ter um longa, um piloto de drama e um piloto de comédia todos os anos no portfólio. Isso vai mostrar para as pessoas de interesse que você é capaz de escrever em nível profissional em cada um desses formatos.
Você vai organizar sua carreira por temporadas, como uma série da Netflix. A cada ano, você vai desenvolver portfólio e submete-lo a festivais, tentar ganhar o máximo de prêmios possível com ele. No ano seguinte você começa a desenvolver outra coisa. Os roteiros que você premiou, continuam no seu portfólio aguardando o momento certo.
Mostrando seu trabalho:
Você já tem portfólio mas não sabe o que fazer com ele e quer desesperadamente vender esses roteiros. Não que isso seja impossível, nem de longe, mas não deveria ser o seu foco nesse momento. Seu portfólio premiado serve pra vender VOCÊ como roteirista. Se seu objetivo é trabalhar no mercado, saiba que é muito mais fácil que você seja contratado, no começo, para escrever sob demanda para produtores independentes. Seus roteiros mostram que você é capaz, por isso você é contratado por uma produtora para desenvolver o roteiro deles e essa é uma das formas de meter o pé na porta do mercado.
E se roubarem minha idéia?
Se você tem medo de mostrar seu roteiro com medo que "roubem sua idéia", essa não é a profissão pra você. Um roteirista que não é lido está fadado ao fracasso e aos textões de facebook. Seu objetivo com tudo o que você escreve deve ser lido pelo máximo de pessoas possível. Mas e se roubarem minha idéia? Primeiro é preciso entender a diferença entre uma idéia e um roteiro. Uma idéia não tem valor nenhum, não pode ser roubada porque não pode ser registrada. Ninguém é dono de idéias. Roteiro é a execução dessas idéias de forma estruturada, com começo meio e fim, personagens, conflitos e arcos dramáticos. Isso sim, tem valor (e muito) e deve ser registrado.
Logo, não existe "roubar uma idéia". O roubo de ROTEIROS é algo imensamente raro, já que é muito fácil provar criação e originalidade de uma obra. Se alguém tiver a audácia de pegar seu roteiro, apagar seu nome e colocar o nome dele (o que seria burrice), é uma causa ganha, já que o ladrão não terá como provar a originalidade, enquanto você está munido de todo o rastro criativo que o roteiro deixou na sua vida. tratamentos antigos, argumento, sinopse, desenvolvimentos... um roteiro não nasce do nada, ele é resultado de um processo criativo e esse processo deixa um rastro.
Certo, como eu mostro meu roteiro?
Existem vários caminhos. Você pode conhecer as pessoas certas e de repente, com um aperto de mão ter um projeto em uma produtora. Mas como não dá pra contar SÓ com o networking e com as indicações, é preciso batalhar e correr atrás.
Como eu disse acima, produtoras recebem MUITOS projetos não solicitados, e na maioria das vezes eles não podem sequer ler esses projetos. Legalmente falando, pra eles não interessa ler roteiros não solicitados pelo simples motivo que eles querem se proteger de possíveis processos autorais caso eles estejam produzindo algo semelhante.
Existem formas oficiais de entrar em contato com essas produtoras, e a melhor delas são as RODADAS DE NEGÓCIOS.
Imagine uma reunião de 15 minutos com um executivo de produtora ou canal que está procurando justamente um roteiro como o seu? Isso é uma rodada de negócio. Um evento onde você se inscreve, os players avaliam os projetos e selecionam aqueles que têm interesse para um bate-papo ao vivo.
Esses eventos estão espalhados por todo o país. Nunca existiu um momento melhor para o mercado audiovisual brasileiro. Temos o Rio2C, o FRAPA, o ROTA, o Serie_lab, o Rio Market, NordesteLab... Esses são apenas alguns eventos que promovem rodadas de negócios.
Mas esses eventos são caros. Não posso bancar viagens e ingresso para todos eles!
É justo. mas você pode se planejar para ir a pelo menos um evento por ano, levando os melhores projetos que você possui. Organize sua temporada de acordo com o seu orçamento.
Fiz tudo isso e não adiantou nada!
Volte ao começo e repita tudo de novo quantas vezes forem necessárias. Ser roteirista em qualquer parte do mundo significa mais rejeição do que sucesso. É preciso aprender a ouvir "não" sem desistir ou se desestimular. Um profissional é só um amador que não desistiu.
Quanto mais você se expor ao mercado através de festivais, mostras de cinema e eventos de mídia, mais gente da área você vai conhecer, e o melhor, mais gente da área vai conhecer VOCÊ, saber quem você é e do que você é capaz.
Por fim, saiba que não é uma profissão fácil (se fosse fácil todo mundo fazia). É preciso muito estudo, perseverança, força emocional e verdadeiro amor por literatura e audiovisual. Mas nem de longe é impossível como falam por aí. É preciso ser mais do que os outros, melhores. É preciso querer MAIS. O mercado não tem espaço pra "só mais um".
Frequente mostras, festivais, eventos, conheça gente e faça amigos. No fundo, todo mundo quer trabalhar com pessoas que gostam e se dão bem, entre você e um estranho, você vai ter sempre a preferência. E acima de tudo, não seja babaca. Audiovisual é um mercado feito de PESSOAS acima de tudo. saiba lidar e cativar pessoas que você se dá bem na vida.