É Possível Ganhar Dinheiro com Curtas?

Conversando com um amigo percebi o quanto falta informação sobre vendas e empreendedorismo na formação de cineastas e artistas em geral. O cinema que aprendemos na faculdade é muito diferente do cinema que o mercado consome, de forma que muitos formandos ficam limitados ao cinema marginal, sempre buscando financiamento público, remando contra a maré, nunca conseguindo se destacar.
Eu sou um amante de todos os tipo s de cinema, do blockbuster ao nouvelle vague, mas acima de tudo eu sou da filosofia de que é preciso se sustentar de cinema. Eu quero ser um artista, mas também quero receber dinheiro pela minha arte. Como disse o poeta... "a gente não quer só comida..."
Por isso me fascina como tanta gente da minha área considera ganhar dinheiro como uma coisa ruim. "Não gosto de cinema comercial", ou "Quero me expressar artisticamente" são os argumentos mais comuns, mas quem disse que uma coisa anula a outra? Quem disse que não se pode vender uma obra de arte? Existe todo um mercado bilionário que gira em torno da comercialização de obras artísticas.
Mas vamos falar da nossa área, de roteiro. Mais especificamente, dos Curtas, os primos pobres do cinema. Muita gente considera que curtas devem servir apenas para experimentações e nunca para ganhar dinheiro. Muita gente acha normal receber 100 mil do governo para fazer um curta sem ter nenhuma obrigação de retorno. Isso pra mim é uma coisa absurda.
Eu mesmo sempre incentivo as pessoas a se expressarem em formato de longa, já que é um produto que tem valor comercial. Curtas normalmente não têm valor de mercado, salve raros canais específicos, como o Canal Curta ou o Canal Brasil, existem pouquíssimos canais de comercialização de curtas. Será mesmo?
Uma das coisas que me levou a criar o Roteirista empreendedor foi justamente ter um canal para falar as coisas que ninguém mais fala. Ninguém ensina para os novos - nem para os velhos - roteiristas como viver de cinema. Talvez por medo de concorrência, ou talvez por falta de conhecimento mesmo. Curtas são vistos como produtos não rentáveis por natureza e muitos defendem até os dentes de que curtas devem ter seu espaço, e eu concordo plenamente.
Mas com um porém:
Por que os curtas devem ser financiados pelo estado? Já pensou nisso?

Se um curta deve ser apenas para expressão artística e experimentação, porque o governo é quem tem que bancar ele? Por que o próprio artista não banca seu próprio experimento?
Porque para investir do próprio bolso, o "artista" quer ter uma previsão de lucro. Investindo o dinheiro público, a contrapartida é zero. mas por que o dinheiro público vale menos que o nosso próprio?
A essa altura você deve estar pensando que sou contra os curtas, o que está errado. Eu sou completamente a favor dos curtas, inclusive acredito que é possível conseguir investimento privado para curtas. Só que isso exige um outro conjunto de habilidades. Exige empreendedorismo.
As vezes acho que ainda vivemos na década de 70 aqui no Brasil, onde os cineastas acreditam que estão em uma ilha, isolados do resto do mundo. não conseguem enxergar além dos editais do Minc nem do FSA.
Ficamos tão apegados com termos como "financiamento" ou "incentivo" que esquecemos de uma palavra que literalmente move o mundo dos empreendedores: investimento.
Pra alguém investir, é preciso ter lucro. Todo o investimento visa obter lucro, do contrário é só uma doação. Quando o dinheiro vem "dos outros" não temos compromisso nenhum com o retorno desse investimento. O filme já está pago e depois de pronto, nada acontece. Mas quando o dinheiro vem de um investidor, ele está esperando não só receber o investimento de volta, mas também obter lucro em cima dele.
Me responda uma coisa. Você teria coragem de pegar um empréstimo para bancar o seu curta? Você confia no seu taco pra saber que vai conseguir o dinheiro de volta e não sujar seu nome? Se a resposta for não, por que alguém iria investir em você?
Agora vamos falar de negócios. Um filme, mesmo um curta, é um produto. E se você entender um pouquinho de marketing e um pouquinho de vendas, vai saber que tudo funciona na base das metas. Quantas unidades eu preciso vender para cobrir meu custo de produção e quantas unidades eu preciso vender para obter um lucro razoável?
Vou dar um exemplo. Hoje, com a internet, nós temos como alcançar o público diretamente sem a necessidade de intermediários e é aí que o marketing entra em jogo. Qual a sua estratégia para atingir o número de pessoas necessárias para bancar seu produto?
Digamos que seu curta custe 50 mil e você quer ter 30% de lucro. 65 mil é a sua meta. O que você pode fazer com o seu curta?
Você pode vendê-lo em DVD, mas com a facilidade da internet é mais vantagem vender o ingresso online. O formato de curta permite que ele seja assistido na internet, e você já economiza nos gastos de impressão e autoração do DVD. Mas quanto você pode cobrar de ingresso? Que tal 5 reais? Você acha que a sua expressão artística vale 5 reais? A esse preço você precisa ser assistido por 10 mil pessoas para cobrir seu custo. 13 mil no total para atingir a sua meta. Quem trabalha com internet sabe que isso não é difícil de conseguir. Existem plataformas onde você pode vender seu conteúdo online, como o Itunes, mas se você tem veia empreendedora mesmo, você vai querer cortar os intermediários e criar seu próprio sistema de exibição e faturamento online.
festivais e prêmios ajudam muito a criar tração para o seu filme, especialmente se você criar legendas em inglês pra ele. Isso significa que ele pode competir em festivais internacionais e a medida que você ganha prêmios, as pessoas vão querer assistir ao filme e se ele estiver disponível online... os amantes de cinema, assim como eu vão assisti-lo. E pra quem vai assistir da gringa, os 5 reais não custa muito mais do que um dólar.
Tudo depende de qual a sua estratégia. Você pode fazer um curta especificamente entrar em um festival que seja qualificador para o Oscar. Se você consegue fazer um curta digno de Oscar, essa é uma estratégia. Mas se Oscar é longe demais pra você, pense em outros festivais. Sundance, Cannes, Gramado, Austin, Toronto, Los Angeles, Atlanta... festival do Rio, Mostra de SP, Tiradentes... Existem inúmeros festivais ao redor do mundo que podem te gerar muita visibilidade, daí cabe a você tornar o seu produto acessível para esse público internacional.
É preciso abrir a mente e parar de pensar pequeno. Muita gente ao redor do mundo paga por uma boa história.
mas aí vem a pergunta: Como eu consigo esses 50 mil de investimento pra começo de conversa?
Lembra do que eu falei? Investidor quer saber de LUCRO. Quanto ele tem que colocar e em quanto tempo ele recebe de volta. Pra isso você, que é experiente em preenchimento de editais, precisa de algo bem familiar: um PLANO DE EXECUÇÃO.

É quando você tem que provar para o governo que sabe exatamente como fazer aquilo que se propõe, que é capaz de detalhar o passo a passo para alcançar os resultados desejados. Aqui é a mesma coisa, só que você está provando para um investidor.
Você precisa de uma estratégia de distribuição. É aqui que você vai explicar que está fazendo um filme com qualidade suficiente para se classificar, ou quiçá vencer alguns festivais, o que vai gerar a tração, a mídia e o engajamento necessário para obter público.
E finalmente, você precisa de uma projeção de lucros, onde você vai estabelecer metas semanais para manter seu público engajado, seja em campanha de marketing, seja na mídia especializada. Sua projeção deve mostrar o passo a passo de quantas pessoas você precisa alcançar - nesse caso, 13 mil - e um prazo de tempo. Digamos que você planeje atingir essas 13 mil pessoas ao longo de 13 semanas. Isso significa que você precisa realizar um trabalho de marketing e de mídia para receber sua meta de lucro em pouco mais de três meses depois do lançamento. isso se você conseguir mil visualizações por semana.
Dependendo de quem for o seu investidor, se você tiver um plano de negócios sólido, com todas essas informações, você ainda pode agregar valor externo ao seu filme, com exibições publicas, brindes, camisetas, cartazes autografados, sessões especiais com elenco e direção, coquetel para investidores, jantar de gala... O limite é a sua imaginação.
Trate sua produtora como uma startup e cada filme como um projeto comercial. Defina o custo do seu produto, o prazo de retorno e a margem de lucro que você oferece. Investimento sempre envolve risco e é sua responsabilidade reduzir esse risco ao máximo. Se você consegue cumprir com o que se propõe, ganhar prêmios, angariar público, sair na mídia e entregar RESULTADOS no prazo, tenha certeza que o seu investidor vai querer continuar investindo em você.
Vamos parar de pensar que a iniciativa privada é nossa inimiga. Vamos parar de achar que o financiamento público é a única opção. Se queremos ter uma indústria cinematográfica no Brasil, precisamos tratar nosso cinema como negócio.