O Segredo da Boa Dramaturgia

Mostrar x Contar
Se você já estudou manuais de roteiro ou de literatura, é certo que já entrou em contato com a regra do "Mostre, não conte", do original em inglês Show, don't tell.
Imprimiu em letras garrafais, colou na parede do seu quarto bem em cima da escrivaninha. É algo para se olhar e lembrar todas as vezes que estiver sentado escrevendo. Escritores profissionais dizem ser um hábito que separa os verdadeiros mestres contadores de história daqueles que por enquanto só possuem entusiasmo.
Mas será que você está mesmo mostrando ao invés de contando? O que essa regra realmente manda você fazer?
Dramatização x Exposição
Imagine que você criou um personagem chamado Beto e já está apaixonado por ele. Parece que o conhece desde que nasceu, sabe seus segredos e opiniões, e já consegue até ouvi-lo dentro da sua cabeça.
Trabalhou suas qualidades e definiu que Beto é introvertido. Não satisfeito, deu a ele falhas para torná-lo humano e descobriu que ele é preguiçoso e passa muito tempo no computador. Certo dia, por causa de suas notas baixas, seus pais decidiram que ele está de castigo, sem poder mexer no computador por tempo indeterminado.
Essas informações serão repassadas ao leitor de um jeito ou de outro. Afinal, é assim que as histórias funcionam. A forma com que você faz esse repasse de informações é o que o mandamento "Mostre, não conte" quer abranger.
A regra costuma ser mais lembrada na literatura do que na dramaturgia audiovisual, principalmente porque o papel aceita tudo. Um escritor mais descuidado pode usar de simples narração para contar para o leitor que Beto é introvertido, preguiçoso e passa muito tempo no computador. Puf, toda a informação foi repassada para o leitor, mesmo que da maneira menos dramática possível.
Para roteiristas, entretanto, a discussão entre "mostrar" e "contar" é mais profunda. É inegável que, por ser uma obra estritamente audiovisual, o roteiro deve ser conter mais "mostrar" do que "contar". Afinal, a câmera não consegue gravar o que não estiver ali para ser filmado.
Mas há outras formas de roteiristas cometerem o pecado de contar ao invés de mostrar. Vamos analisar alguns exemplos:
Exemplo 1
Digamos que você bolou uma cena de introdução de Beto acordando em seu quarto e ficou assim:

Não ficou muito dramático, não é mesmo? Como a câmera vai mostrar que Beto é introvertido e preguiçoso se você se limitou a escrever que ele é assim em sua descrição? Como saberemos que a culpa pelo fato de seu computador não ligar é de seus pais? A única coisa que a câmera vai mostrar é um adolescente em seu quarto acordando, levantando-se da cama e não conseguindo ligar seu computador.
Mostrar, no contexto da regra, significa dramatizar -- desenvolver uma cena em que seu personagem tenha que lidar com uma situação que exija dele o comportamento que você quer passar para o leitor. Em outras palavras, ao invés de escrever que Beto é introvertido, crie cenas em que Beto seja introvertido frente a uma situação específica. Crie outra para mostrar o quanto ele é preguiçoso. Com duas cenas simples você define para o leitor como Beto realmente é sem precisar tocar no assunto de forma direta, mastigada.
Exemplo 2

Contar, ao contrário de mostrar, significa expor a informação, seja dizendo pela narração (voice-over, e pelo amor de Deus, só use quando não tiver mais saída), seja pelo diálogo com outros personagens (a famosa "orelha", tão recorrentemente utilizado por autores brasileiros de telenovela). De qualquer forma, a ausência de conflito e a linguagem puramente expositiva da mãe ao explicar tudo de forma direta são responsáveis por causar aquela sensação de o autor estar nos passando a informação dando de comer de colherzinha.
Exposição boa é feita de forma indireta, e não com os personagens cuspindo a informação na nossa cara. Em Hollywood, expor pontos da história por meio de diálogo mastigado é recorrentemente chamado de "on-the-nose dialogue", que traduz para algo como "diálogo na sua cara". É o diálogo direto, sem subtexto, sem poesia. Analisaremos mais profundamente esse fenômeno em um futuro post sobre como escrever diálogos, mas vale a pena ressaltar neste momento.
Foi o clássico diretor noir Billy Wilder quem popularizou a teoria do Dois mais Dois (Two plus two unifying theory), com o seguinte axioma:
"Dê à plateia dois mais dois, deixe-os chegar ao quatro."
Isso quer dizer, pura e simplesmente, não diga com todas as letras. Dê indícios. Dê dicas. Deixe o leitor chegar às próprias conclusões com as dicas que você deu. Mostre, não conte.
Exemplo 3

